A Geringonça e as Autárquicas

O nome Geringonça veio para ficar no dia-a-dia e, com os seus já 500 dias de vida, provavelmente veio para ficar muito tempo.

Não que a coligação à esquerda seja, na realidade, mais digna da expressão, atirada primeiramente como acusação, do que outras coligações que o nosso país político já viu serem experimentadas. Mas a direita viveu sempre muito mais confortável com uma visão pragmática da luta pelo poder do que a esquerda, como se a esquerda fosse obrigada a ser menos flexível do que a direita na ortodoxia ideológica defendida, em detrimento de ganhos conjunturais.

Só este facto pode justificar que nenhuma alcunha tenha sido necessário inventar quando o CDS colocou de lado as posições eurocéticas para participar num governo que abraçava as primeiras amarguras do europeísmo dominado pelo BCE e que passasse a defender com unhas e dentes os limites impostos de défices e dívidas que, como se concluiu passados tantos anos, não nos fizeram convergir com os nossos parceiros europeus.

No entanto, a força desta maioria tem-se revelado precisamente nas diferenças que apresenta quando comparada com as coligações a que o país se habituou nos últimos 20 anos. Sempre que coligados, o PSD teve de ceder ao CDS, não apenas uma posição no governo, mas uma posição desproporcional, por vezes até a roçar a igualdade de poder.

Foi essa prática que permitiu ao CDS projetar uma mão cheia de quadros políticos na vida pública, com protagonismo assegurado e que hoje lideram o partido, a troco de um unanimismo de políticas que sempre tornou difícil perceber as diferenças entre estes partidos quando governaram em conjunto. Foi uma prática legítima e até natural, mas que causará agora grandes dificuldades a um CDS a necessitar de descolar da imagem do PSD. Assunção Cristas teria toda a vantagem em cavar um fosso mais profundo com o passado recente, mas o facto de ter sido ministra no governo de Passos Coelho impede todo um manancial de ataques diretos, que seriam o caminho mais fácil para a afirmação.

Só que uma coligação deste tipo exige que, perdido o poder, o partido mais pequeno tenha que despender um esforço muito grande a recuperar o seu eleitorado tradicional, e como as primeiras eleições pós-Geringonça serão autárquicas, esse facto terá um reflexo prático muito marcado, como já se viu em Lisboa e se verá certamente noutros concelhos: coligações PSD/CDS não deverão ser uma prioridade para qualquer das direções nacionais destes partidos.

Já à esquerda, o equilíbrio encontrado por António Costa, com o inestimável contributo de uma geração liderada no governo por Pedro Nuno Santos (para quem este diálogo pós-PREC é, mais do que conjuntural, verdadeiramente ideológico), é de outra natureza. Volvidos 500 dias, nenhum dos partidos que suportam o governo deixou de ser facilmente identificável com as suas causas de sempre ou deixou de ter uma identidade própria vincada. O PS tem tido um crescimento sustentado nas sondagens e provou aquilo que era essencial aos olhos dos portugueses: havia um caminho alternativo que passava pela reposição de direitos e por crescimento económico sem austeridade cega. E este caminho foi trilhado – pasme-se! – sem beliscar o PCP e o BE, nem em credibilidade nem em eleitorado.

É por isso que o PS chega às Autárquicas sem necessidade de fazer coligações pré-eleitorais à esquerda, renovando apenas acordos onde eles tiveram sucesso. Isto porque os eleitores das esquerdas locais perceberão, em cada caso, que um “voto útil” no PS é hoje mais útil do que antes, já que é garantido que o PCP e o BE só terão a ganhar, a nível nacional, com um reforço do PS a nível local, sempre que estas forças não estiverem em competição direta pela vitória.

É por isso provável que a Geringonça saia reforçada do próximo ato eleitoral e que seja necessário assistirmos ainda a uma redefinição profunda nos partidos à direita antes que deixemos de ouvir falar nela.

 

Fonte: Notïcias de Vila Real

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